Com base em
denúncias sobre o assassinato de três indígenas da Terra Indígena Tupinambá de
Olivença, sul da Bahia, na última sexta-feira, 8, o Ministério Público Federal
(MPF) de Ilhéus (BA) requisitou à Polícia Federal investigação acerca das
mortes. De acordo com os procuradores da República Ovídio Augusto Amoedo Machado
e Tiago Modesto Rabelo, as informações dão conta de uma emboscada premeditada
contra os Tupinambá, numa região de conflitos provocados pela indefinição da
demarcação da terra indígena. Na foto ao lado, fazenda retomada pelos Tupinambá
dentro do território identificado como tradicional.
A Polícia Federal
trabalha com a hipótese de que os assassinatos tenham ocorrido depois de uma
‘briga de bar’ envolvendo as vítimas contradizendo as suspeitas dos
procuradores da República. Porém, para os Tupinambá da região do Mamão,
distrito de Lençóis, município de Una, área identificada como tradicional e
repleta de fazendas retomadas pelos índios, algumas questões não estão
respondidas e afirmam: há a participação de político contrário à demarcação da
terra indígena na articulação da emboscada.
“Teve um
fazendeiro que falou para a gente que três suspeitos (brancos) de terem
participado da emboscada foram protegidos por esse político e que ele teria
ajudado eles a fugir. A polícia prendeu apenas os três índios envolvidos, sendo
um deles Lindomar Araújo Nascimento”, declara liderança Tupinambá não
identificada por motivos de segurança. No Boletim de Ocorrência 13-02068,
registrado na 7ª Coorpin do município de Una (BA), Lindomar aparece como o
único réu, mesmo com a informação fornecida por testemunha da existência de
mais participantes na emboscada.
Inicialmente se
falava em quatro indivíduos presentes nos assassinatos, mas os relatos de uma
testemunha apontam para a participação de seis indivíduos, sendo três índios e
três brancos. Por que apenas os indígenas suspeitos foram detidos?, perguntam
as lideranças. “A intenção parece que é de transformar o caso numa briga entre
os indígenas. Acontece que sabemos que os ‘brancos’ que participaram têm
relação com esse político, com policiais e fazendeiros insatisfeitos com as
retomadas. Os três meninos mortos sempre estavam nas lutas do povo”, declara a
liderança. Um dos ‘brancos’ envolvidos, de acordo com relatos, é chamado de
‘Erê’ e um conhecido pistoleiro da região.
O irmão de Erê,
segundo os indígenas, teria sido abordado pela Polícia Federal no último
domingo, 10, portanto um rifle. Os policiais teriam apreendido apenas a arma. A
suspeita é de que o rifle possa ter sido usado na emboscada. Um dos mortos,
Aurino Calazans dos Santos, de 31 anos, que além dos tiros teve a cabeça quase
decepada e o corpo com marcas de tortura, de fato teria tido uma briga com
Lindomar, semanas antes. Para os indígenas, porém, o fato teria sido usado pelo
político para organizar a emboscada, posto que Lindomar mantinha estreita
relação com os inimigos dos Tupinambá ligados ao campo contrário às
demarcações.
“Tem um lado de
vingança, mas manipulado por quem não nos quer nessas terras. Os índios
envolvidos foram cooptados. Então precisa investigar. A comunidade encontra-se
bastante traumatizada com o crime brutal. A gente sabe que os verdadeiros
assassinos estão soltos e continuam rondando por aqui. Outra coisa é que há
tempos que fazemos denúncias contra esses indivíduos. Eles ameaçam, andam
armados”, explica a liderança Tupinambá. A comunidade aponta ainda o constante
tráfego de um gol preto, com os vidros filmados, rondando a região do Mamão
desde pouco antes da emboscada.
Desde o dia 14 de
agosto deste ano os Tupinambá estão submetidos a constantes ameaças, atentados
e comumente alvos de racismo e campanha de preconceito nos municípios do
entorno da terra indígena. Em 3 de setembro, porém, as ameaças se concretizaram
e um indígena foi assassinado em área recém retomada pelos Tupinambá, na Serra
das Trempes. Dois meses se passaram e o crime segue impune, sem nenhuma
informação apresentada pela Polícia Federal.
Violência no sul
da Bahia
Aurino Santos
Calazans, 31 anos, Agenor de Souza Júnior, 30 anos, e Ademilson Vieira dos Santos,
36 anos, foram executados em emboscada quando regressavam da comunidade
Cajueiro, por volta das 18 horas da última sexta, porção sul do território
tradicional, quando foram emboscados por seis, de acordo com os últimos relatos
da testemunha do crime. Disparos de arma de fogo foram feitos contra os
indígenas. Na sequência os assassinos praticaram torturas, dilaceraram os
corpos com facões e com o que é chamado na região de “chicote de rabo de
arraia”.
Nos últimos
meses, cinco Tupinambá e um Pataxó foram assassinados no contexto da luta pela
terra tradicional no extremo sul baiano. A região possui diversos focos de
conflito entre indígenas, que reivindicam territórios tradicionais já
identificados, e fazendeiros, que se negam a sair das áreas. O governo federal,
por sua vez, paralisou os procedimentos demarcatórios na região aguçando ainda
mais o conflito. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, justificou a
suspensão com a criação de uma ‘mesa de diálogo’, que com estas mortes tem se
comprovado ineficiente.
O processo de
identificação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença teve início em 2004. Em
2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou o relatório circunstanciado
que delimitou a terra em 47.200 mil hectares, estendendo-se por porções dos
municípios de Buerarema, Ilhéus e Una, no sul da Bahia. No momento, os
Tupinambá aguardam a publicação da Portaria Declaratória, para que o processo
se encaminhe para as etapas finais de retirada dos não-índios, pagamento de
indenizações, reassentamento dos pequenos e homologação.
Execuções chegam
ao Congresso
O deputado
federal Chico Alencar (PSOL/RJ) se pronunciou na Câmara nesta quarta, 13,
denunciando as três mortes e a permanente impunidade que as permeia. Porém, o
parlamentar acredita que o caso na região não é de polícia: “O governo precisa
fazer que se conclua com urgência o processo de demarcação da Terra Indígena
Tupinambá (de Olivença), cuja paralisação tem dado margem ao acirramento dos
conflitos”.
Alencar lembra
que “em face da demora ilegal e abusiva do governo em cumprir a demarcação, o
MPF propôs ações civis públicas responsabilizando o Estado por não cumprir a
atribuição legal de proteger os direitos indígenas”. O parlamentar prestou
solidariedade às famílias dos indígenas mortos e clamou ao ministro da Justiça
o encaminhamento do processo demarcatório da terra indígena onde vivem cerca de
4.700 Tupinambá.
Por Renato
Santana, de Brasília (DF)
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