A presidente Dilma
Rousseff estuda criar um fundo de compensação para índios que vivem em áreas
próximas às hidrelétricas previstas no plano de energia do governo para 2021. Também
prepara a regulamentação de um artigo da Constituição que obriga o poder
público a consultar as comunidades indígenas antes de operar essas usinas.
Trata-se de uma
estratégia para reforçar o discurso do governo no embate com a ex-ministra do
Meio Ambiente Marina Silva, uma crítica da política de desenvolvimento do País,
que segundo ela não é sustentável - Ex-petista, Marina se aliou ao projeto
presidencial do governador Eduardo Campos (PSB) e poderá até disputar a
sucessão do ano que vem na condição de vice do pernambucano.
As duas medidas que o
governo tenta agora reativar por causa do "efeito Marina Silva"
ficaram paradas por quase 11 anos de gestão do PT no Planalto. A primeira
delas, o fundo, é uma antiga reivindicação dos índios. Ele seria criado com
dinheiro da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos
(CFURH), paga pelas empresas que exploram as hidrelétricas. A verba equivale a
6,75% do valor total de energia mensal produzida pelas usinas. Só entre janeiro
e setembro deste ano, foram repassados R$ 1,3 bilhão da seguinte forma: 45%
para os municípios atingidos pelos reservatórios, 45% distribuídos aos Estados
onde estão as usinas e 10% para a União.
Uma das propostas que
circula no governo, elaborada pelo Instituto Acende Brasil, voltado ao setor
elétrico, prevê que a União abra mão de metade do que recebe, e os Estados
abram mão de 22% da sua cota. O Plano Decenal de Energia 2021 do governo
federal prevê a construção de 34 hidrelétricas na Região Norte do País.
Atualmente elas estão em fase inicial ou ainda só no papel. Nesse plano, para o
qual valeriam as novas regras de compensação dos índios, não estão incluídas as
polêmicas usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, alvos de constantes
embates entre as comunidades atingidas e o governo federal.
Consultas. A segunda
medida prevista no pacote pró-indígenas de Dilma se refere ao artigo 231 da
Constituição, que prevê que os potenciais energéticos oriundos de recursos
hídricos só podem ser aproveitados após consulta às comunidades que vivem no
local de instalação do empreendimento. Segundo integrantes do governo, essa
medida já é considerada urgente no Palácio do Planalto.
Adicionalmente, o
governo também vai regulamentar a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2003. Essa convenção também
estabelece critérios para consulta aos índios.
Em Belo Monte, por
exemplo, as comunidades atingidas dizem não ter sido consultadas. Já o governo
diz que fez a consulta. Ao estabelecer um critério, a ideia é acabar com
polêmicas assim. "Os povos indígenas têm suas próprias formas de debater
temas sobre seu futuro, e nossa regulamentação precisa dar conta disso, quer
dizer, vamos criar um mecanismo que absorva o protocolo de cada povo, de cada
etnia", diz o secretario nacional de articulação social da Secretaria
Geral da Presidência, Paulo Maldos.
Inação na área se
repete por seguidas gestões
Não seria correto
atribuir à presidente Dilma Rousseff toda a responsabilidade pelos conflitos
que envolvem índios e empreendedores do setor de energia. Mas também não seria
incorreto indagar por qual motivo seu governo só agora parece acordar para
questões envolvendo grupos que sempre estiveram na base de apoio do PT, como
índios e sem-terra.
A favor de Dilma é
necessário dizer que a consulta prévia aos índios, quando suas comunidades são
afetadas por projetos hidrelétricos ou de exploração de minérios, não surgiu
agora. Poderia ter sido regulamentada por governos anteriores, já que está
prevista na Constituição, promulgada há 25 anos. O mesmo ocorre com a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que também prevê consultas
às comunidades indígenas e vigora no País desde 2013.
Por questões
decorrentes do jogo de forças políticas, os governos foram empurrando para o
mandatário seguinte a delicada e complexa questão da regulamentação e
administração dos conflitos envolvendo indígenas.
Dilma não foi
diferente. Ela mostrou pouco interesse pelos índios nos dois primeiros anos de
mandato. Foi só após os protestos de junho, por exemplo, que abriu a porta de
seu gabinete para receber pessoalmente uma delegação indígena. Da mesma
maneira, só após uma semana de protestos em Brasília, no mês passado, decidiu
fazer uma declaração pública contra a PEC 215, que pode transferir do Executivo
para o Legislativo a tarefa de demarcação de terras indígenas.
No seu governo a
Fundação Nacional do Índio perdeu prestígio, ao mesmo tempo que enfraquecia o
diálogo com as comunidades. No momento, algumas organizações indígenas se
recusam a manter qualquer tipo de conversa com o governo. Não sentam à mesa nem
para tratar da regulamentação de leis que está sendo anunciada.
Fonte: O Estado de São Paulo
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