A Reserva Biológica
(Rebio) Gurupi, que abrange os municípios Bom jardim, Centro Novo do Maranhão e
São João do Carú, faz parte do último remanescente de Amazônia no Maranhão.
O
lógico, portanto, seria zelar por ela, mas é o oposto ao que acontece. Apesar
da categoria reserva biológica ser uma Unidade de Conservação de proteção
integral e de permitir a presença humana apenas para fins científicos, a Rebio
Gurupi vem sendo destruída desde que foi criada, em 1988. Dentro de seus
limites, vivem de pequenos agricultores a grileiros, grandes fazendas para
criação de gado, retirada ilegal de madeira, trabalho escravo e plantação de
maconha. Tudo isso, com agravantes que vão desde propostas de acabar com a
reserva a graves conflitos fundiários. Por decisão judicial, ocorre também a
devolução recorrente a infratores pegos em flagrante cometendo crimes
ambientais de bens confiscados pela fiscalização.
Funcionários
do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) possuem
documentos que comprovam as devoluções. Eles não querem se identificar, pois
alegam ser constantemente ameaçados. Em um dos documentos, o proprietário de
uma moto e de um caminhão sem placas pede de volta judicialmente os bens
apreendidos em um flagrante. Ele conduzia o caminhão dentro da Rebio em uma
área desmatada e com toras de madeira. De acordo com o instituto, “o caminhão
em questão é do tipo toreiro, ou seja, sua carroceria é adaptada para o
transporte de toras de madeiras. A finalidade deste tipo de caminhão é o
transporte de toras. A ousadia dos infratores vai além. O mesmo senhor foi
flagrado 4 semanas antes no mesmo local de extração clandestina no interior da
Rebio Gurupi”. Os veículos, no entanto, foram liberados por decisão judicial.
Existem
mais casos. Na operação Maurítia, de setembro de 2011, uma das maiores que já
aconteceram na Rebio (o total de multas aplicadas chegou a 30 milhões de
reais), bens apreendidos em flagrante foram quase todos devolvidos. Estas
situações demonstram que o crime é cometido sem maiores receios, em um ciclo
destrutivo que, aos poucos, mina a área da Rebio e das terras indígenas ao seu
redor.
De
acordo com o estudo “Justiça para as Florestas: Melhoria dos Esforços da
Justiça Criminal para Combater a Extração Ilegal de Madeira”, do Banco Mundial,
a probabilidade de um madeireiro ilegal ser penalizado no Brasil é menor que
0,08%. E o resultado da impunidade, no caso da Rebio, pode ser visto em imagens
de satélite e em dados como os divulgados pelo Imazon. De acordo com o
instituto, a Rebio Gurupi está entre as 10 unidades de conservação com maior
perda absoluta de floresta original entre 2009 e 2011.
Operação Hileia Pátria, do Ibama, em andamento: em julho deste
ano identificou, em sobrevoo, plantação de maconha na Rebio, além de retirada
ilegal de madeira.
Operação do Ibama, agosto de 2013: 19 serrarias fechadas, 2mil m³ de tora e
762 m³ de madeira serrada apreendidos.
Operação Dríade, da Polícia Federal e Ibama, abril de 2013: grupo madeireiro
com 12 empresas associadas é pego com guias florestais fraudadas de madeira
retirada ilegalmente da Rebio.
Operação Maurítia, do Ibama, Força Nacional, Polícia Federal e Polícia
Rodoviária Federal, setembro de 2011: flagrou 29 mil m³ de madeira extraída
ilegalmente da Rebio, além de trabalho escravo e apreensão de equipamentos
utilizados no desmate.
Operação Ibama e ICMBio, setembro de 2008: dois caminhões
apreendidos na Rebio com 6 m³ de madeira em toras. Os proprietários não
apresentaram documento de autorização para o transporte da madeira. Para cada
infrator foi aplicada uma multa no valor de R$ 1,8 mil.
Operação Ibama, outubro de 2007: 40 mil pés de maconha são encontrados
dentro da reserva. Ninguém foi preso.
Trabalho escravo: apenas na Fazenda Zonga, que fica dentro da Rebio, foram
cinco flagrantes de escravidão: 52 trabalhadores foram libertados em 1996, 32
em 1997, 69 em 2001, 13 em 2003 e 45 em 2010. O pecuarista Miguel de Souza
Rezende, proprietário da fazenda, já fez parte por três vezes da “lista suja”
do trabalho escravo.
Pressões políticas - do Maranhão a Brasília
Marlúcia
Bonifácio Martins, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, de Belém, empenhada na
defesa da reserva, explica que a Aprovale uma associação encabeçada por fazendeiros
e que faz parte do conselho consultivo da Rebio, propôs a redução da reserva
de 341.650 hectares para 60 mil. “Ela viraria um corredor, o que viria com a
alteração da categoria de unidade de conservação de Rebio para Resex, onde a
presença humana é permitida e com atividades de subsistência, como criação de
gado e agricultura”, diz Marlúcia.
Conflitos
pela terra geram tensão por todos os lados. Evane Alves Lisboa, gestor da
Rebio, explica que a regularização fundiária e a fiscalização estão entre os
maiores desafios do momento. Ele diz que “tem muita gente morando lá dentro.
São 2 assentamentos um do Incra e outro do Instituto de Terras do Maranhão e 5 povoados, além de grandes fazendeiros a maioria para tirar madeira e
criar gado”.
Edson
Nunes Pereira, presidente da Aprovale, defende a necessidade de um levantamento
fundiário e a readequação dos limites da reserva. “O governo está querendo nos
‘dá’ o calote da terra fazendo uso da psicose ambientalista para nos expulsar
em nome do meio ambiente, afim de defender o subsolo da região Gurupi para a
Vale e outras mineradoras que esperam explorar muito em breve a região”, diz.
De acordo com ele, a redução da Rebio é “questão de justiça social”.
A
pressão também vem de Brasília. Em junho deste ano, o deputado Weverton Rocha
(PDT/MA) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo que “susta os efeitos do
Decreto nº 95.614 de 12 de janeiro de 1988, que cria a Reserva Biológica do
Gurupi e dá outras providências”. Se virar lei, a Rebio deixará de existir.
“Não temos a intenção de acabar com a Rebio Gurupi. Nosso objetivo com o pedido
de extinção do decreto foi chamar a atenção para o grave problema instalado na
região. Sabemos que a biodiversidade do Alto do Gurupi é importantíssima, mas,
no momento de criação da Rebio, não fizeram o levantamento da área
corretamente”, afirma o deputado.
Além
deste decreto, também em 2013, Weverton apresentou requerimento em 24 de abril
para “apurar denúncias sobre a desapropriação irregular, sem indenização e com
uso de violência, de proprietários rurais no entorno e dentro da Unidade de
Conservação Rebio Gurupi” e, em junho deste ano, pediu uma audiência pública
para “discutir a demarcação, homologação e ampliação de terras indígenas no
Estado do Maranhão com ênfase nas Terras Indígenas Governador e Awá-Guajá”.
Awá
Guajá ameaçados
Existem
cerca de 400 Awá Guajá nos remanescentes de Amazônia no Maranhão. A Terra
Indígena que ocupam já foi demarcada e homologada. Devido a uma determinação
judicial, até o final deste ano, todos os que ocupam a TI deverão sair de lá.
Há anos os Awá têm sido cada vez mais acuados por invasões de suas terras para
atividades ilegais. Devido às invasões, a Terra Indígena já perdeu mais de 30%
de sua área. Entre 2000 e 2009, cerca de 36 mil hectares foram desmatados.
Conforme dados do Greenpeace na publicação “Carvoaria Amazônia”, centenas de
grileiros já se estabeleceram no território Awá Guajá e abriram uma rede de
estradas para permitir a passagem de caminhões.
A
subsistência deles está na caça e na coleta. Sem a floresta, correm o risco de
desaparecer. “Ao ficarem tão aferrados, tão vinculados à terra, esses índios
estão na verdade prestando um serviço ambiental a todos os brasileiros. Nós
precisamos da floresta também, nós precisamos que eles estejam lá. Precisamos
que eles sobrevivam”, afirma a jornalista Miriam Leitão em um dos vídeos que
fez depois de sua visita à TI. De acordo com a organização Survival
International, os Awá Guajá estão entre os povos mais ameaçados do mundo.
Esperança na lei
Diante
de tantas ameaças, a esperança para a Rebio Gurupi e para as terras indígenas
ao seu redor, especialmente a TI Awá Guajá, parece residir em algo muito
simples: o cumprimento da lei. Nas palavras de Marlúcia, “tudo o que
pedimos é que a lei seja cumprida. Aí sim, a chance de conservarmos a
Amazônia do Maranhão poderá ser 100%”. Resta a pergunta, tão inevitável
quanto óbvia: o que o poder público está esperando para resolver estes
problemas?
Por que conservar
A
Rebio Gurupi está conectada com as Terras Indígenas Alto Turiaçú (530.525ha),
Awá (118.000ha) e Carú (172.667ha). Juntas, formam um mosaico que representa o
que resta de floresta amazônica no Maranhão. Até 2011, haviam sido catalogadas
109 espécies de peixes, 570 árvores por hectare de pelo menos 100 espécies, 124
de mamíferos e 503 de aves dados do ICMBio apontam que, entre elas, pelo
menos 8 ameaçadas de extinção, caso da Crax fasciolata pinima
(mutum-de-penacho) e do Pteroglossus bitorquatus bitorquatus
(araçari-de-pescoço-vermelho). Isto sem falar em espécies endêmicas, que só
existem lá.
Fonte: O ((eco))
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