O jurista
Dalmo Dallari disse nesta terça-feira (13/8) que "qualquer proposta que
objetive transferir para o Congresso a demarcação de terras indígenas é
escancaradamente inconstitucional". Ele deu a declaração ao se referir ao
PEC (Projeto de Emenda à Constituição) 215. A proposta, em tramitação desde
2000, transfere para Congresso Nacional a prerrogativa de aprovar a demarcação
de terras indígenas e quilombolas, atualmente de competência do Executivo.
Dallari participou de uma audiência pública para debater a constitucionalidade
da PEC.
Com o
plenário ocupado por índios de várias etnias, Dallari disse que a participação
do Parlamento na demarcação e homologação de terras indígenas fere a
Constituição. Na avaliação do jurista, que participou da Assembleia
Constituinte, como constituinte popular, a proposta tem três aspectos
inconstitucionais.
“Ela [a
proposta] afeta a regra fundamental da separação dos Poderes, ao transferir
para o Legislativo uma atribuição administrativa típica do Executivo”; disse
Dallari, acrescentando que a PEC prevê que as terras indígenas só se tornariam
inalienáveis após a ratificação da demarcação pelo Congresso, “quando, na
verdade, a Constituição estabelece, a respeito disso, que as terras indígenas
são inalienáveis”. Para o jurista, o texto relativiza os direitos dos índios à
terra, atrelando-o ao processo de demarcação. "O direito dos índios não
depende da demarcação, a Constituição diz que eles índios já têm o direito à
terra. A demarcação é apenas um ato administrativo para traçar os limites da
terra", declarou.
O
terceiro aspecto citado pelo jurista diz respeito ao fato de a PEC 215 atribuir
ao Congresso o poder de também ratificar as demarcações já homologadas. Com a
PEC, "aquilo que já foi demarcada pode voltar atrás, pode ser
retificado", disse referindo-se à possibilidade, criada pelo projeto, do
Congresso rever a homologação das terras que já foram homologadas. "Uma
demarcação é um ato administrativo, é um absurdo isto que está proposto”.
O
ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Carlos Frederico Marés
também disse que a proposta é inconstitucional. Ele ponderou que o projeto
condiciona o direito dos índios à terra a aprovação da demarcação e homologação
pelo Congresso. De acordo com Marés, a Constituição consagrou aos índios o
princípio do direito originário, pois são os primeiros e naturais donos da
terra e que o seu direito é anterior a qualquer outro. "Os povos indígenas
têm direitos às terras indígenas desde sempre”, disse.
A PEC 215
foi defendida pelo ex-deputado Almir Sá, autor da proposta e pelo deputado
Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da PEC. Almir Sá questionou o papel da Funai
na demarcação das terras indígenas e citou o caso da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, em Roraima. "A Funai demarca as terras de maneira arbitrária
e não há espaço para questionamento da outra parte", declarou.
Para
Serraglio, não há conflito entre o papel dos Poderes Executivo e Legislativo.
Ele disse que a Constituição dá margem para que o Congresso intervenha no
processo de demarcação ao estabelecer que é da competência exclusiva do
Congresso Nacional autorizar nas terras indígenas a exploração de minérios e
recursos hídricos. "Se a Constituição diz que para explorar minério e para
botar uma usina em território indígena é o Congresso quem autoriza, sem a
participação do Executivo, como é que não pode tratar da demarcação?",
indagou.
Após o
debate, Serraglio disse que irá propor uma emenda suprimindo do projeto a
competência do Congresso de ratificar as demarcações já homologadas.
Lideranças
indígenas presentes criticaram a iniciativa e pediram aos parlamentares o
arquivamento do projeto. A integrante da direção nacional da Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sonia Guajajara, disse que a PEC atende ao
interesse do agronegócio e ataca os direitos indígenas e o direito da população
brasileira ao meio ambiente. "Os índios são responsáveis por preservar o
meio ambiente, qualquer levantamento mostra que onde tem terra indígena a
floresta está preservada. Se a gente entregar as terras indígenas nas mãos do
Congresso Nacional elas vão passar para as mãos do agronegócio e nós estaremos
destruindo o meio ambiente no Brasil", disse.
O cacique
da Etnia Hani-kuin, do Acre, Ninawa Hani-kuin, ponderou que, caso a proposta
seja aprovada não haverá mais demarcação de terras indígenas no país. "Se
passar, acho que não vai mais ter demarcação e os índios vão acabar indo para
os centros urbanos viver miseravelmente e sem condições", disse.
Fontes;
Agência Brasil - 14/08/2013 - 08h19
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