Os
juristas Dalmo de Abreu Dallari e Carlos Frederico Marés pediram aos deputados
e deputadas federais que rejeitem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
215/2000. “Espero que tenham lucidez para rejeitar a PEC. Estaremos atentos. Se
forem adiante vamos ao Supremo (Tribunal Federal STF) e à Corte
Interamericana contra esse escândalo”, enfatizou Dallari.
Apresentada
pela bancada ruralista, a PEC 215, à espera de criação de comissão especial,
pretende que o Congresso Nacional autorize ou não demarcações e homologações de
terras indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental. Toma por base a
tese da temporalidade, ou seja, as comunidades que estavam até a Constituição
de 1988 na terra têm direito a ela; nos demais casos não.
Ambos
definiram a PEC 215 como “absolutamente inconstitucional” durante audiência
pública na Comissão de Participação Legislativa, Câmara Federal, nesta
terça-feira, 13. Participaram do debate a liderança indígena Sônia Bone
Guajajara, o autor da proposta, o ex-deputado Amir Sá, de Roraima, o relator,
deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR) e Marivaldo Pereira, assessor do Ministério
da Justiça.
Diante de
um auditório tomado por cerca de 150 indígenas de mais de uma dezena de povos,
e sob a mediação do deputado federal Lincoln Portela (PR/MG), Dalmo Dallari, atuante
no processo constituinte, apontou que a PEC 215 é multiplamente
inconstitucional, mas se ateve a três pontos, os quais o jurista considerou os
mais graves e fundamentais. Opinião compartilhada por Marés.
“A
proposta afeta uma regra jurídica fundamental: a separação dos poderes. A PEC
propõe que o Congresso passe a aprovar ou ratificar a demarcação. Isso é um ato
administrativo, do Poder Executivo (...) é o típico caso de se usar a aparência
de legalidade para se avançar sobre o direito dos outros. A separação dos
poderes é justamente para não se permitir isso”, explica Dallari, professor da
Universidade de São Paulo (USP).
Ex-procurador
estadual do Paraná e ex-presidente da Funai, Marés frisou que ato
administrativo é um conceito jurídico e ato único. “O legislativo não tem que
dizer qual é a terra dos povos indígenas, mas que os povos têm direito a ela”,
disse. Conforme o jurista, a Constituição de 1988 garantiu o direito originário
dos povos indígenas sobre suas culturas, sociedades e terras.
“Direito
originário é um direito de sempre e no caso das terras independe de demarcação,
que é o simples ato de dizer que a terra vai daqui até ali. O direito é a
terra. A maldição da PEC é retirar esse direito. Os deputados são eleitos não
para fazer atos técnicos, mas políticas e as políticas estão na Constituição”,
destacou Marés de forma enfática. O jurista lembrou que enquanto os
parlamentares querem legislar atos administrativos, o Estatuto dos Povos
Indígenas, que é uma política pública, segue nas “gavetas do Congresso” há pelo
menos duas décadas.
Terras inalienáveis
Dalmo
Dallari apresentou a segunda questão que avalia ser de extrema gravidade na PEC
215. De acordo com a proposta, as terras indígenas ficam inalienáveis apenas
depois que o Congresso confirmar a demarcação. “A Constituição Federal não
deixa dúvida de que as terras indígenas são inalienáveis. O direito não depende
da demarcação. É inconstitucional. As terras são inalienáveis e isso não
depende do Congresso”, afirmou o jurista. Para Dallari, o desrespeito nesse
ponto é “escandaloso”. Ao que Marés complementou dizendo que a PEC 215
representa um retrocesso não apara 1987, antes da Constituição, mas para o
século XIX, quando não se tinha direito algum.
“A
Constituição não oferece como direito a demarcação, mas a terra! Quando a
proposta diz que as terras ficam inalienáveis apenas depois do Congresso dizer,
não há mais direitos originários. Não é verdade que essa PEC reconhece os
direitos do artigo 231 (Dos Índios), como dizem seus defensores, porque a
proposta acaba com ele”, atacou Marés. O jurista que pior que inconstitucional
é o fato da proposta ferir a dignidade do povo brasileiro de que se é um
direito deve ser garantido.
“A lógica
dessa PEC é dificultar as demarcações. Atribuir esses atos ao Congresso é negar
o direito de se reconhecer o direito. A proposta é uma maldição que continua
para as próximas gerações, porque só pode existir terra indígena depois que o
Congresso aprovar. A PEC quer refazer o direito e acabar com o direito
anterior”, declarou Marés.
Por fim,
para os juristas, a demarcação é um ato administrativo e, tal como a PEC 215
propõe, é inconstitucional que o procedimento possa ser ratificado ou não pelo
Congresso: “É um absurdo porque significa tirar um direito que já é do índio. O
processo todo que envolve a demarcação é um ato jurídico perfeito, não tem
razão de o Congresso rever ou ratificar”, defendeu Dallari.
Na
opinião do jurista, “por mais que os deputados queiram, ou melhor, ouso dizer,
por mais que o agronegócio queira não é possível de fazer. Vivemos um momento
de grande pressão do agronegócio. Mais terras é que o desejam, e a PEC 215
atende a isso, pois é mais dinheiro para o setor, mas e o povo? Será de fato
bom para o povo?”.
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