Brasília - Dois ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
disseram à Agência Brasil que tinham em mente apenas o caso específico da
Raposa Serra do Sol quando, em 2009, discutiram e ajudaram a estabelecer as 19
condições aprovadas para que cerca de 20 mil índios de cinco etnias se fixassem
definitivamente na terra e os não índios deixassem a área.
Há mais de quatro
anos, eles votaram pela manutenção da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra
do Sol, em Roraima, em uma única área contínua de 1,74 milhão de hectares, e no ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou a Portaria 303 baseada
na decisão do STF.
Relator do processo, o ex-ministro Carlos Ayres Britto considera
que as 19 condicionantes fixadas para a Raposa Serra do Sol não se estendem
automaticamente a outras áreas indígenas em processo de demarcação ou já
existentes. "Penso que as condicionantes não valem para outros
casos". O ex-ministro Eros Grau, ao ser perguntado se levou em conta a
hipótese de as regras estabelecidas em 2009 serem posteriormente estendidas
para outros processos demarcatórios, respondeu que votou "o caso, para o
caso, sem ter em mente nada senão o que deveria ser decidido" à época.
Britto e Grau são dois dos dez ministros que, em março de 2009,
validaram a demarcação da Raposa Serra do Sol conforme a União havia
determinado em 1998 e homologado em 2005. Durante o julgamento, apenas o
ministro Marco Aurélio Mello votou pela anulação do processo administrativo de
demarcação da área. Na época, Britto defendeu que, se aprovada, a 17ª
condicionante, que proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas, só
poderia vir a valer para o caso que estava em julgamento, ou seja, para a
Raposa Serra do Sol. Britto se aposentou este ano. Grau deixou o STF em agosto
de 2010.
Procurados, a ex-ministra Ellen Gracie não quis se pronunciar
sobre o assunto e o ex-ministro Cezar Peluso não respondeu aos e-mails enviados pela
reportagem por meio de sua secretária.
O entendimento de que a decisão do STF estabeleceu um precedente
jurídico, a partir do qual as 19 condicionantes se aplicam automaticamente a
outros processos demarcatórios de terras indígenas, motivou a AGU a publicar,
em 2012, uma portaria estabelecendo que advogados e promotores públicos devem
observar o cumprimento das mesmas condições impostas à Raposa Serra do Sol em
qualquer processo demarcatório, inclusive nos já finalizados.
A chamada Portaria 303 gerou protestos de índios e de organizações
indigenistas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) também manifestou
preocupação com a iniciativa, alegando que ela restringe direitos indígenas ao
tomar como base uma decisão não definitiva, uma vez que ainda falta o STF
julgar os chamados embargos declaratórios apresentados ao processo -
julgamento que está previsto para começar hoje (23) à tarde. Ao menos 30
índios de várias etnias e diferentes regiões estão em Brasília para acompanhar
a sessão do STF desta quarta-feira.
Após protestos indígenas, inclusive com o bloqueio de estradas e com a ocupação do plenário do Congresso em protesto contra essa e outras iniciativas que os índios consideram prejudiciais aos seus interesses, a AGU suspendeu a entrada em vigor da portaria até que o STF aprecie os oito embargos e dê a palavra final sobre a validade das 19 condicionantes e se elas se aplicam a outros casos além da Raposa Serra do Sol.
Para o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), organização ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
Adelar Cupsinski, as manifestações dos dois ex-ministros à Agência Brasil têm
um peso que não pode ser ignorado no julgamento de hoje à tarde,
principalmente pelos ministros que assumiram depois de março de 2009.
"Dizer que as condicionantes se aplicam automaticamente a
outros casos é uma interpretação extremamente equivocada e, a meu ver, essas
manifestações reforçam os argumentos pela derrubada definitiva da Portaria
303", declarou o advogado, argumentando que, mais que anular a portaria,
índios e militantes do movimento indigenista esperam ver as condicionantes
anuladas. "Como essas condições não eram objeto da ação [Petição 3.388] e
foram propostas durante o julgamento [que considerou constitucional a
demarcação da reserva em área contínua], não houve o contraditório, sem o qual
elas não poderiam ser fixadas".
O argumento de Cupsinski vai ao encontro do embargo declaratório
proposto pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que sustenta que não cabe
ao STF legislar, que não houve discussão prévia com a sociedade sobre as regras
impostas com a aprovação das 19 condicionantes e que várias delas ferem os
interesses das comunidades indígenas.
Entre as regras mais contestadas pelos índios estão, além da que
proíbe a ampliação das reservas já homologadas, a que estabelece que o
"relevante interesse público da União" no uso de riquezas minerais se
sobrepõe ao direito das comunidades indígenas ao usufruto da terra; as que
fixam que o usufruto indígena da terra não abrange o aproveitamento de recursos
hídricos e potenciais energéticos, pesquisa, lavra e garimpagem de riquezas minerais,
atividades que dependerão de aprovação do Congresso Nacional; a que autoriza a
União a criar estradas e vias de transporte e instalar redes de comunicação e
equipamentos públicos no interior de áreas indígenas sem estabelecer a
necessidade de consulta e diálogo com as comunidades afetadas.
A AGU preferiu não comentar as declarações dos ex-ministros até
que o STF julgue os embargos declaratórios.
Edição: Graça Adjuto & Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
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