Aos 8 (oito),
anos Tonico Benites sentou em uma cadeira de escola pela primeira vez. Nascido
na aldeia Sassoró, em Tacuru (MS), o guarani-kaiowá queria aprender a ler e a
escrever, mas ainda não entendia uma só palavra do português. Era o primeiro de
muitos desafios que ele iria encontrar pela frente.
"Aprendi
português na escola e estou aprendendo até hoje", diz.
Hoje aos
41, Benites está prestes a concluir o doutorado em antropologia pela UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), tornou-se especialista em educação
indígena e dá aulas na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
Benites
pertence à etnia Kaiowá, um subgrupo dos guaranis que tem população de cerca de
30 mil pessoas, localizadas principalmente na região sul do Mato Grosso do Sul.
Nasceu na década de 1970, quando se intensificaram as desapropriações de terras
indígenas, processos que geram violentos conflitos e elevados índices de
suicídio até hoje na região.
Primeiro
a concluir, em 1993, o ensino fundamental na reserva em que morava, o professor
já perdeu as contas de quantos kaiowás ensinou a ler e a escrever. E, apesar
dos prédios improvisados, do preconceito e do desafio da alfabetização
bilíngue, nunca deixou de acreditar no poder de dar mais autonomia ao índio a
partir da educação.
A
primeira escola em que Tonico Benites estudou pertencia a uma missão evangélica
e atendia tantos aos índios da aldeia Sassoró como aos filhos de trabalhadores
rurais da região. "Éramos chamados de 'bugres', 'sujos'. Às vezes, tinha
briga na estrada", conta.
Entre a
1ª e a 4ª série do ensino fundamental, foram seis anos de estudo e algumas
reprovações. Viu muitos amigos desistirem da escola por causa das diferenças
culturais, da falta de apoio da família e das dificuldades na hora de aprender
o português.
"Os
professores diziam que a gente era índio, mas que, em pouco tempo, ia virar
'brasileiro'. Por isso, tínhamos que cantar o hino nacional e fazer orações
todos os dias. Hoje sei que era uma política nacional, uma idéia de que em
pouco tempo a nossa cultura ia acabar", diz.
Professor
Aos 14
anos, Benites interrompeu os estudos, já que não havia escola de 5ª a 8ª série
perto da reserva indígena onde morava. Trabalhou com o pai e foi para o corte
de cana. Quando tinha 18 anos, decidiu completar o ensino fundamental e fez
supletivo na cidade vizinha de Iguatemi.
"Quando
eu concluí a 8ª serie, era considerada uma pessoa importante na comunidade,
porque ninguém tinha estudado lá. Então me chamaram para dar aula na aldeia
Japiré [também em Tacuru], uma área que ainda estava em processo de
demarcação", diz o professor.
Sozinho,
Tonico Benites começou a alfabetizar crianças kaiowás. A escola era improvisada
e a turma tinha cerca de 30 crianças de várias idades e diferentes estágios de
aprendizagem. Dava aulas pela manhã e à tarde ia para a cidade fazer o ensino
médio - na época, o magistério.
Em 2001
deixou a pequena escola que passou de 30 para cerca de cem alunos para estudar
pedagogia na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), em Dourados,
município que abriga hoje cerca de 15 mil índios. Mudou para uma aldeia em
Laguna Carapã, cidade vizinha a Dourados, e começou a dar aulas na comunidade
para se sustentar.
"Eu
era o único indígena da minha sala na faculdade e, quando ia apresentar algum
trabalho, diziam 'lá vem ele falar de índio de novo', e alguns saíam da sala.
Eu estudava o tema porque era a realidade que eu conhecia", conta.
Concluiu
a graduação e, após três anos, entrou no mestrado em antropologia na UFRJ.
Conseguiu uma bolsa e foi enfrentar a cidade grande. Defendeu sua dissertação,
sobre educação indígena, em 2009, mesmo ano em que entrou no doutorado na mesma
instituição e continua estudando o tema.
"Antes
falavam que o indígena não era um ser um humano completo, por isso, não podia
ser professor, não podia fazer faculdade. Estudar é importante para mostrar que
nós somos capazes. Precisamos de mais índios nas universidades, pesquisando e
atualizando a academia".
Por;
Tonico Benites
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