O
tratamento da questão indígena é um dos assuntos prioritários na agenda social
de qualquer Governo. O índio brasileiro é um cidadão que tem anseios, carências
e necessidades específicas, que precisam ser atendidas pelo Estado.
Com a moderna antropologia, aprendemos que a cultura indígena não é, como
muitos supõem, uma etapa primitiva da escala civilizatória, mas sim uma
realidade cultural diferenciada, capaz de reproduzir estilos próprios de
organização e desenvolvimento.
A realidade indígena brasileira ainda é pouco conhecida. A taxa de
natalidade dos indígenas é superior à média nacional. Em muitos aspectos, o
Brasil contemporâneo é mais indígena do que normalmente se supõe. Ainda que culturalmente
transformada pela interação secular com os processos civilizatórios, a presença
indígena é fortemente percebida no tipo físico e nos costumes de amplos
segmentos da população, sobretudo entre os brasileiros do Nordeste, da Amazônia
e do Centro-Oeste. É verdade que os grupos indígenas brasileiros estão
reduzidos a uma pequena fração do que foram no passado, também é verdade que
este segmento da população encontra-se hoje em plena recuperação demográfica.
Estima-se que a população indígena do Brasil abranja, atualmente, cerca
de 326 mil pessoas, distribuídas em 215 diferentes etnias que falam cerca de
170 línguas distintas. Embora concentrada em grande parte na Amazônia, a
população indígena brasileira está dispersa em quase todo o território
nacional. Alguns grupos ainda vivem em relativo ou completo isolamento, outros
estão integrados à economia regional, mas se consideram e são reconhecidos como
membros de uma comunidade culturalmente diferenciada.
Para esses grupos, a afirmação do direito ao etno-desenvolvimento e a
preservação de sua identidade cultural passam pela garantia de seus direitos
constitucionais, pela posse da terra, pela defesa de condições dignas de vida,
e pela conquista de seu espaço político no seio do Estado e da nacionalidade. E
são exatamente essas as metas da política indigenista do governo.
A questão da terra é central. As terras indígenas no Brasil cobrem, no
total, 947.011 quilômetros quadrados, correspondendo a cerca de 11,13% do
território nacional, ou seja, o equivalente à França e Inglaterra juntas. Só o
território Yanomami, já inteiramente demarcado, é igual ao de Portugal.
Dentre
as 554 áreas indígenas reconhecidas pela FUNAI, 223 já se encontram demarcadas,
homologadas e registradas, cobrindo uma extensão de 456.864 quilômetros
quadrados. Outras 52 áreas estão demarcadas. Das 279 áreas indígenas por
demarcar, 136 já estão identificadas ou em processo de identificação.
Em 1995 e começo de 1996, a demarcação avançou. Com a promulgação do
decreto nº 1775/96, procurou-se assegurar maior transparência e segurança
jurídica ao procedimento demarcatório. A preocupação do Governo é garantir os
direitos dos indígenas e aperfeiçoar os dispositivos legais relativos a esses
direitos.
Mas não basta demarcar. é preciso dar segurança às populações indígenas.
As terras indígenas, em sua grande maioria, localizam-se em áreas de difícil
acesso, próximas a áreas de fronteira e muitas são cobiçadas por fazendeiros,
garimpeiros e também por aventureiros. A FUNAI gasta hoje cerca de 30% do seu
orçamento para operações de retirada de intrusos das áreas indígenas. A FUNAI
estará retomando brevemente a operação Yanomani em Roraima, que vai retirar em
torno de 1500 garimpeiros das terras dos índios Yanomani e Macuxi. Outras
operações serão feitas na área do Rio Xingu e na região do alto Rio Guamá, no
Pará, onde vivem perto de 30.000 pessoas não índias em terra dos índios Tembé.
Além disso, o Governo desenvolverá atividades de saúde e educação
específicas para as populações indígenas. Recentemente, a Radiobrás criou um
programa de rádio especial para os indígenas. O Ministério da Agricultura e a
FUNAI estão desenvolvendo um projeto inovador de apoio às atividades produtivas
e agropecuárias realizadas por indígenas. Outra preocupação é com a proteção do
meio ambiente. O Governo intensificará as medidas de interdição da exploração
predatória e ilegal de recursos naturais, de remoção de invasores,
especialmente garimpeiros em terras indígenas e promoverá a auto-sustentação e
o desenvolvimento comunitário dos grupos indígenas.
Não obstante os avanços
já realizados, persistem alguns problemas. A região Amazônica, onde está a
maioria das comunidades indígenas, abriga 17 milhões de brasileiros. É preciso
identificar e realizar projetos de desenvolvimento econômico para esta região,
que sejam compatíveis tanto com a preservação do meio ambiente quanto com a
proteção dos territórios indígenas.
Na Amazônia, vivem ainda cerca de 300 mil garimpeiros, que têm sido os principais
responsáveis pela invasão de terras indígenas. Por isto, além da demarcação dos
territórios e do policiamento de suas fronteiras é necessário buscar
alternativas econômicas ao garimpo de modo a remover uma das principais ameaças
às comunidades indígenas.
O suicídio dos índios Guarani-Kaiowá constitui também uma fonte de
preocupação que requer uma compreensão mais ampla. É por isso que o Governo
deseja promover a discussão com a sociedade civil a respeito das ações de apoio
e valorização das populações indígenas. A participação de organizações
não-governamentais é fundamental nessa questão. O Governo tem trabalhado com
essas entidades, com resultados muito positivos.
No plano externo, o Brasil desenvolve ampla cooperação sobre as questões
indígenas. O recente acordo firmado com a Alemanha, no âmbito do Programa
Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil deu novo impulso a
esse intercâmbio, particularmente no que se refere a demarcação de terras
indígenas.
Esses são alguns elementos da política indigenista deste Governo. Eles
refletem uma disposição sincera e a determinação de agir em defesa da
sobrevivência e dos valores culturais dos nossos índios.
Fernando Henrique Cardoso
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