Em
reunião realizada com a presidente da República na tarde do dia (10/07), 10 (dez)
lideranças e organizações indígenas da APIB e distintos povos do Brasil
reivindicam do governo, a construção de uma agenda positiva, com compromissos e
metas concretas para atender as demandas dos povos indígenas.
À
Excelentíssima
Senhora
Dilma
Rousseff
Presidenta
da República Federativa do Brasil
Brasília-DF
Estimada
Presidenta:
Nós
lideranças indígenas de distintos povos e organizações indígenas das diferentes
regiões do Brasil, reunidos nesta histórica ocasião com a vossa excelência no
Palácio de Governo, mesmo em número reduzido, mas o suficientemente informados
e profundamente conhecedores, mais do que ninguém, dos problemas,
sofrimentos, necessidades e aspirações dos nossos povos e comunidades,
viemos por este meio manifestar, depois de tão longa espera, as seguintes
considerações e reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo
como início da superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco,
após séculos de interminável colonização, marcados por políticas e práticas de
violência, extermínio, esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.
Estamos
aqui, uma pequena mas expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural
do país, conformada por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas
distintas com uma população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do
IBGE. E em nome desses povos que:
Reiteramos
o nosso rechaço à acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país
numa total desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional
brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável,
inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram
guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e
integridade territorial e a soberania do nosso país.
Repudiamos
toda a série de instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e
legislativos, que buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados
com muita luta e sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos
antecederam, durante o período da constituinte.
Somos
totalmente contrários a quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos
de demarcação das terras indígenas atualmente patrocinados por setores de seu
governo, principalmente a Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando
atender a pressão e interesses dos inimigos históricos dos nossos povos,
invasores dos nossos territórios, hoje expressivamente representados pelo
agronegócio, a bancada ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras,
entre outros.
Não
admitiremos retrocessos na garantia dos nossos direitos, por meio de
iniciativas legislativas que poderão condenar os nossos povos a situações de
indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já se verifica em
todas as regiões do país, principalmente nos estados do Sul e no Estado
de Mato Grosso do Sul.
Rechaçamos
a forma como o governo quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado,
implantando a qualquer custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura
nas áreas de transporte e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, usinas hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando
a nossa visão de mundo, a nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe
Natureza, os nossos direitos originários e fundamentais, assegurados pela Carta
Magna, a Convenção 169 e a Declaração da ONU.
Diante
deste manifesto, expressamos as seguintes reivindicações:
1. A
incidência do governo junto a sua base para o arquivamento das Propostas de
Emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e
Congresso Nacional respectivamente a competência de demarcar as terras
indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.
2.
Reivindicamos o mesmo procedimento para a PEC 237/13 que visa legalizar o
arrendamento das nossas terras, do PL 1610/96 de Mineração em Terras Indígenas,
do PL 227/12 que modifica a demarcação de terras indígenas, entre outras tantas
iniciativas que pretendem reverter os nossos direitos constitucionais.
3. O
Governo deve fortalecer e dar todas as condições necessárias para que a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) cumpra devidamente o seu papel na
Demarcação, proteção e vigilância de todas as terras indígenas, cujo passivo
ainda é imenso em todas as regiões do país, mesmo na Amazônia onde supostamente
o problema já teria sido resolvido. Não admitimos que a FUNAI seja
desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da Agricultura e outros órgãos,
desconhecedores da questão indígena, venham a avaliar e supostamente contribuir
nos estudos antropológicos realizados pelo órgão, só para atender interesses
políticos e econômicos, como fizera o último governo militar ao instituir
o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar” a FUNAI e “avaliar” as
demandas indígenas.
4. Para a
demarcação de terras indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com
participação dos povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da
Justiça e da Funai para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas
concretas de demarcação.
5. Não
aceitamos a proposta de criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), prejudicando o papel
diferenciado de cada órgão.
6.
Exigimos a revogação de todas as Portarias e Decretos que ameaçam os nossos
direitos originários e a integridade dos nossos territórios, a vida e cultura
dos nossos povos e comunidades:
6.1.
Portaria 303, de 17 de julho de 2012, iniciativa do poder Executivo, por meio
da Advocacia Geral da União (AGU) que estende equivocadamente a aplicação para
todas as terras a aplicabilidade das condicionantes estabelecidas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição
3.388/RR), que ainda não transitou em julgado.
6.2.
Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, que determina a intimação dos entes
federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação
de terras indígenas, sendo que o Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do
contraditório.
6.3.
Portaria Interministerial 419 de 28 de outubro de 2011, que restringe o prazo
para que órgãos e entidades da administração pública agilizem os licenciamentos
ambientais de empreendimentos de infra-estrutura que atingem terras indígenas.
6.4.
Decreto nº 7.957, de 13 de março de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão
Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, regulamenta a atuação das Forças
Armadas na proteção ambiental e altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de
2004. Com esse decreto, “de caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a
Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo
como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e
laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa
a criação de instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer
ação de povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que
decidam se posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.
7.
Reivindicamos também do Governo Brasileiro políticas públicas especificas,
efetivas e de qualidade, dignas dos nossos povos que desde tempos imemoriais
exercem papel estratégico na proteção da Mãe Natureza, na contenção do
desmatamento, na preservação das florestas e da biodiversidade, e outras tantas
riquezas que abrigam os territórios indígenas.
Na saúde,
efetivação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas, para a superação dos distintos problemas de gestão, falta
de profissionais, de concurso específico para indígenas, plano de cargos e
salários, de assistência básica nas aldeias, entre outros.
Na
Educação, que a legislação que garante a educação específica e diferenciada
seja respeitada e implementada, com recursos suficientes para tal e que seja
aplicada imediatamente da Lei 11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da
diversidade nas escolas.
Na área
da sustentabilidade, instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros
programas específico para os nossos povos, com orçamento próprio.
Para a
normatização, articulação, fiscalização e implementação de outras políticas que
nos afetam, criação imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista
(CNPI), cujo Projeto de Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos
Deputados.
8.
Reivindicamos ainda do Governo, o cumprimento dos acordos e compromissos
assumidos no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI),
relacionados com a tramitação e aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas no
Congresso Nacional.
9.
Considerando que esta reunião com a Vossa Excelência acontece no contexto de
muitos outros protestos pelo país inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a
outras lutas e causas sociais e populares que almejam como nós um país
diferente, plural e realmente justo e democrático. Pela também regularização e
proteção das terras quilombolas, territórios pesqueiros e de outras comunidades
tradicionais, e pela não urgência do PL do novo marco regulatório da mineração,
para assegurar a participação da sociedade civil na discussão deste tema tão
estratégico e delicado para a nação brasileira.
10.
Reafirmamos por tudo isso, a nossa determinação de fortalecer as nossas lutas,
continuarmos vigilantes e dispostos a partir para o enfrentamento político,
arriscando inclusive as nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição
para o diálogo aberto, franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da
Mãe Natureza e pelo bem das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um
Plano de Governo para os povos indígenas, com prioridades s e metas concretas
consensuadas conosco.
11.
Chamamos, por fim, aos nossos parentes, lideranças, povos e organizações, e
aliados de todas as partes, para que juntos evitemos que a extinção programada
dos nossos povos aconteça.
Brasília-DF,
10 de julho de 2013.
Fonte da
notícia: APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
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