Dilma Rousseff recebeu, no dia (10/07), pela
primeira vez, lideranças indígenas. Os participantes avaliaram a reunião como
positiva e a presidenta pontuou posições sobre questões indígenas importantes,
embora sua fala tenha sido, segundo relatos, genérica e inconclusiva.
Apesar
do tom ameno da conversa no Planalto, horas antes o líder do governo na Câmara,
Arlindo Chinaglia (PT-SP), aceitou
colocar em votação no plenário um requerimento de urgência para a apreciação do
Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012,
que, se aprovado, colocará em xeque os direitos dos índios sobre suas terras.
O
acordo foi referendado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Assim, ele quebrou
outro entendimento, fechado com lideranças indígenas, em abril, para criar um
grupo de trabalho para discutir projetos que alteram o processo de demarcação
das Terras Indígenas (TIs). Apenas os líderes do PT, PSOL, PV e PCdoB não
assinaram o requerimento.
Ele
só não foi votado porque PSOL e PV ameaçaram obstruir a discussão do projeto
sobre a destinação dos royalties do petróleo. O requerimento continua na pauta
do plenário e pode ser apreciado a qualquer momento. Se aprovado, levará o PLP
da Comissão de Agricultura direto ao plenário sem ser discutido por outras
comissões.
Reunião no Planalto
Durante
a reunião com 20 lideranças de todo País, Dilma
disse que não vai abrir mão de mudar os procedimentos das demarcações,
incluindo outros órgãos, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do
Ministério da Justiça (MJ), na análise dos processos. As alterações atendem
pressões ruralistas.
Sônia Guajajara deixou claro que
índios não concordam com mudanças no processo de demarcação. A
presidenta anunciou, porém, a criação de uma “mesa de negociação” para discutir
o assunto e outras questões indígenas, como projetos em tramitação no Congresso
e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União. A princípio, o grupo deve ser
instalado no início de agosto e vai contar com a participação dos índios,
Funai, MJ e Secretaria Geral da Presidência.
“O
que dissemos é que não aceitamos as mudanças nos procedimentos demarcatórios”,
informou Sônia Guajajara, da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Reafirmamos que queremos
manter esse diálogo, que hoje, para nós, esse foi o início de um processo de um
diálogo mais permanente e continuado”.
Na
reunião, as lideranças indígenas criticaram a inclusão da urgência para o PLP 227 na pauta de votação do plenário da Câmara e as
políticas de saúde e educação indígenas.
De
acordo com Sônia, a presidenta disse que
“o governo vai intervir junto aos parlamentares de sua base aliada” para que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 não seja aprovada. O projeto dá ao Congresso a atribuição, hoje do governo, das
demarcações.
Depois
da reunião, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
afirmou que a proposta de mudança nesses procedimentos só será apresentada
depois que os índios forem ouvidos e que o governo não pretende alterar o
Decreto 1.775/1996, que regulamenta o processo.
O
ministro assegurou que não há suspensão formal das demarcações em nenhum
estado. Em maio, a ministra da Casa Civil, Gleisi
Hoffmann, anunciou que pediria a Cardozo a paralisação dos processos no Paraná, onde é
pré-candidata ao governo.
“Nós
dissemos que não concordamos com a instalação de empreendimentos de
infraestrutura em TIs sem o consentimento livre, prévio e informado. Ela
[Dilma] respondeu que, ‘em alguns casos, vamos andar juntos, mas em outros
vamos continuar divergindo’”, comentou Sônia Guajajara.
O
encontro com os indígenas faz parte da rodada de reuniões de Dilma com os
movimentos sociais iniciada depois que seus índices de popularidade
despencaram, após três semanas de protestos em todo País.
Enquanto isso, no Congresso...
O PLP 227 pretende regulamentar as situações em que áreas
e empreendimentos dentro de TIs podem ser considerados de “relevante interesse
público da União”.
Nesses
casos, segundo a proposta, o governo poderia anular os direitos dos índios
sobre parte de suas terras em faixas de fronteira e onde existam áreas
tituladas e ocupações não indígenas (em 5/10/1988), assentamentos de reforma
agrária, núcleos urbanos, mineração, hidrelétricas, obras de infraestrutura e
instalações militares.
Trata-se
de um cenário de terra arrasada para os direitos indígenas em que outras
propostas de mudanças no processo de demarcação perderiam importância, já que,
com ele, o Estado teria um poder hipertrofiado de intervir unilateralmente nas
TIs, abrindo-as a interesses econômicos diversos.
“Temos
muitas críticas ao texto da forma que ele foi apresentado no Congresso”,
afirmou Cardozo. Ele informou que já
está negociando com as lideranças parlamentares um texto alternativo.
O
PLP é de autoria do deputado Homero Pereira
(PSD-MT). O substitutivo ao texto original, aprovado ontem mesmo na Comissão de
Agricultura, é de Moreira Mendes
(PSD-RO). Os dois estão entre as principais líderes ruralistas.
A
assessoria da liderança do governo informou que Chinaglia
teve de ceder às pressões para colocar em votação o regime de urgência em um
processo mais “amplo de negociação” de vários outros projetos, mas não quis
especificar quais seriam eles. A assessoria garante que o governo não se
comprometeu em aprovar o PLP.
Fontes
do governo e do PT, no entanto, afirmam que Hoffmann teria articulado a manobra
para acelerar a aprovação do projeto. A ausência da ministra na reunião com os
índios no Planalto chamou atenção. Ela é uma das principais articuladoras de
Dilma.
Para
as organizações indígenas a atuação da ministra coloca um ponto de interrogação
sobre até que ponto o governo pretende, de fato, dialogar e defender os
direitos indígenas no Congresso.
A
reportagem é publicada pelo sítio do Instituto Socioambiental - ISA
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