sexta-feira, 12 de julho de 2013

Dilma recebe índios, mas líder do governo apoia manobra que ameaça direitos sobre suas terras



Dilma Rousseff recebeu, no dia (10/07), pela primeira vez, lideranças indígenas. Os participantes avaliaram a reunião como positiva e a presidenta pontuou posições sobre questões indígenas importantes, embora sua fala tenha sido, segundo relatos, genérica e inconclusiva.

Apesar do tom ameno da conversa no Planalto, horas antes o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), aceitou colocar em votação no plenário um requerimento de urgência para a apreciação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012, que, se aprovado, colocará em xeque os direitos dos índios sobre suas terras.

O acordo foi referendado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Assim, ele quebrou outro entendimento, fechado com lideranças indígenas, em abril, para criar um grupo de trabalho para discutir projetos que alteram o processo de demarcação das Terras Indígenas (TIs). Apenas os líderes do PT, PSOL, PV e PCdoB não assinaram o requerimento.

Ele só não foi votado porque PSOL e PV ameaçaram obstruir a discussão do projeto sobre a destinação dos royalties do petróleo. O requerimento continua na pauta do plenário e pode ser apreciado a qualquer momento. Se aprovado, levará o PLP da Comissão de Agricultura direto ao plenário sem ser discutido por outras comissões.

Reunião no Planalto
Durante a reunião com 20 lideranças de todo País, Dilma disse que não vai abrir mão de mudar os procedimentos das demarcações, incluindo outros órgãos, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério da Justiça (MJ), na análise dos processos. As alterações atendem pressões ruralistas.

Sônia Guajajara deixou claro que índios não concordam com mudanças no processo de demarcação. A presidenta anunciou, porém, a criação de uma “mesa de negociação” para discutir o assunto e outras questões indígenas, como projetos em tramitação no Congresso e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União. A princípio, o grupo deve ser instalado no início de agosto e vai contar com a participação dos índios, Funai, MJ e Secretaria Geral da Presidência.

“O que dissemos é que não aceitamos as mudanças nos procedimentos demarcatórios”, informou Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Reafirmamos que queremos manter esse diálogo, que hoje, para nós, esse foi o início de um processo de um diálogo mais permanente e continuado”.

Na reunião, as lideranças indígenas criticaram a inclusão da urgência para o PLP 227 na pauta de votação do plenário da Câmara e as políticas de saúde e educação indígenas.

De acordo com Sônia, a presidenta disse que “o governo vai intervir junto aos parlamentares de sua base aliada” para que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 não seja aprovada. O projeto dá ao Congresso a atribuição, hoje do governo, das demarcações.

Depois da reunião, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a proposta de mudança nesses procedimentos só será apresentada depois que os índios forem ouvidos e que o governo não pretende alterar o Decreto 1.775/1996, que regulamenta o processo.

O ministro assegurou que não há suspensão formal das demarcações em nenhum estado. Em maio, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, anunciou que pediria a Cardozo a paralisação dos processos no Paraná, onde é pré-candidata ao governo.

“Nós dissemos que não concordamos com a instalação de empreendimentos de infraestrutura em TIs sem o consentimento livre, prévio e informado. Ela [Dilma] respondeu que, ‘em alguns casos, vamos andar juntos, mas em outros vamos continuar divergindo’”, comentou Sônia Guajajara.

O encontro com os indígenas faz parte da rodada de reuniões de Dilma com os movimentos sociais iniciada depois que seus índices de popularidade despencaram, após três semanas de protestos em todo País.

Enquanto isso, no Congresso...

O PLP 227 pretende regulamentar as situações em que áreas e empreendimentos dentro de TIs podem ser considerados de “relevante interesse público da União”.

Nesses casos, segundo a proposta, o governo poderia anular os direitos dos índios sobre parte de suas terras em faixas de fronteira e onde existam áreas tituladas e ocupações não indígenas (em 5/10/1988), assentamentos de reforma agrária, núcleos urbanos, mineração, hidrelétricas, obras de infraestrutura e instalações militares.

Trata-se de um cenário de terra arrasada para os direitos indígenas em que outras propostas de mudanças no processo de demarcação perderiam importância, já que, com ele, o Estado teria um poder hipertrofiado de intervir unilateralmente nas TIs, abrindo-as a interesses econômicos diversos.

“Temos muitas críticas ao texto da forma que ele foi apresentado no Congresso”, afirmou Cardozo. Ele informou que já está negociando com as lideranças parlamentares um texto alternativo.

O PLP é de autoria do deputado Homero Pereira (PSD-MT). O substitutivo ao texto original, aprovado ontem mesmo na Comissão de Agricultura, é de Moreira Mendes (PSD-RO). Os dois estão entre as principais líderes ruralistas.

A assessoria da liderança do governo informou que Chinaglia teve de ceder às pressões para colocar em votação o regime de urgência em um processo mais “amplo de negociação” de vários outros projetos, mas não quis especificar quais seriam eles. A assessoria garante que o governo não se comprometeu em aprovar o PLP.

Fontes do governo e do PT, no entanto, afirmam que Hoffmann teria articulado a manobra para acelerar a aprovação do projeto. A ausência da ministra na reunião com os índios no Planalto chamou atenção. Ela é uma das principais articuladoras de Dilma.

Para as organizações indígenas a atuação da ministra coloca um ponto de interrogação sobre até que ponto o governo pretende, de fato, dialogar e defender os direitos indígenas no Congresso.

A reportagem é publicada pelo sítio do Instituto Socioambiental - ISA

Nenhum comentário:

Postar um comentário