Não causa
surpresa à Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas a manifestação da
ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, feita para ávidos parlamentares
ruralistas, de que haverá mudanças nos procedimentos de demarcação de terras
indígenas levadas a termo pela Fundação Nacional do Índio, FUNAI.
Mudanças que devem afetar especialmente áreas em estudo e não resolvidas no Sul
e Sudeste do país, na mira de enorme pressão econômica, política e demográfica.
Talvez
algumas pessoas, movidas pela ingenuidade, acreditem que a presença de ministra
que nunca se envolveu em qualquer atividade indígena seja obra de malabarismo
político das cercanias da Presidência da República, para esfriar a fervura do
agronegócio, contrariado com a goleada de cerca de 300 lideranças que
conseguiram no Abril indígena frear a tramitação da PEC 215/2000, que transfere
do Executivo para o Legislativo a decisão final sobre demarcação de terra
indígena.
Infelizmente,
não acredito que se trate disso.
A Frente
tem promovido muitas atividades na Câmara e fora dela, com a colaboração
valiosa do Conselho Indigenista Missionário, CIMI e da Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil, APIB, a fim de deter o desmonte da legislação
indígena, e nunca pode contar com - e sequer teve notícia - o envolvimento da
cúpula do Poder Executivo em qualquer debate sobre a questão.
É
significativo, pois, o fato da ministra sem familiaridade com a pauta indígena
ser portadora no último dia 8 de maio da novidade que se pretende apresentar
até o final do semestre, cometendo impropriedades que certamente o ministro da
Justiça, responsável pela política indigenista, não cometeria.
Com o
gesto, o Governo encoraja a artilharia anti-indígena e mostra a cara quando
oferece à bancada ruralista o esvaziamento da Funai, dando ao agronegócio a
senha para avançar ainda mais contra o cumprimento de preceitos constitucionais
de proteção dos direitos das comunidades indígenas sobre terras que
tradicionalmente ocupam. Lamentável.
Na
coordenação da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas desde 2011,
vejo recrudescer a ofensiva na Câmara dos Deputados para amputar o artigo 231
da Constituição Federal, e do lado do Governo a percepção de que a política
indigenista se tornou um empecilho para o desenvolvimentismo que se recusa a
cumprir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
ratificada pelo Brasil em 2002, prevendo consulta aos povos indígenas sempre
que medidas governamentais afetem seu modo de vida.
Primeiro,
para se livrar do “estorvo” que a FUNAI tem competência e qualificação
inconteste para fazer – demarcação de terras indígenas –, trouxe à baila a
Portaria 303, da Advocacia Geral da União, de julho de 2012, suspensa pela
pressão dos indígenas de todo o país. Uma portaria é ato administrativo, de
obediência circunscrita àqueles que atuam no órgão emissor, mas foi submetida a
todos os órgãos jurídicos da administração pública federal direta e indireta,
conforme estabelece o artigo 1º.
Na
verdade, editada na base do vamos fazer para ver se cola e fica, pavimentou
agressão inacreditável sobre avançada e respeitada legislação que admitiu
dívida histórica para com nossos originários habitantes. De ilegalidade
evidente, a Portaria prevê a suspensão de todos os estudos de demarcação em
curso e até mesmo refazer demarcações já homologadas, bem ao gosto da bancada
ruralista. Uma precipitação do Governo, pressionado pelo agronegócio, que
investe contra as demarcações a fim de levar para o mercado fundiário terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Como a
Portaria 303 não vingou, utiliza-se agora de pretextos obscuros para esvaziar a
competência de um órgão a quem incumbe a orientação e a iniciativa
administrativa dos processos de demarcação, atribuindo falha nos processos, que
por isso necessitam ser instruídos, alega a ministra, mediante a consulta de
outros órgãos, como a Embrapa e Ministério da Agricultura.
Ora, o
decreto 1.775, de 1996, que dispõe sobre o procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas, prevê a manifestação de órgãos públicos e
entidades civis sobre a área objeto da identificação em estudo por grupo
técnico especializado constituído pela FUNAI para decidir pela demarcação.
Mais: os Estados e municípios, conforme o parágrafo 8º do decreto, podem se
manifestar desde o início do processo e até 90 dias da publicação do relatório
do grupo técnico no Diário Oficial da União.
Seus
dispositivos, respaldados não apenas pela caneta do então ministro da Justiça
Nelson Jobim mas também pela do ministro da Agricultura José Andrade Vieira,
garantem o princípio do contraditório, e em todo o rito da identificação,
delimitação e demarcação é possível a manifestação de interessados e afetados,
por exemplo produtores rurais e instâncias de atividade fundiária.
Além do
mais, para complementar normas contidas no decreto, a Portaria 14, do mesmo
ministro da Justiça, detalha critérios para fundamentar o relatório
circunstanciado de identificação e delimitação, exigindo rico conjunto de
informações sobre os povos indígenas, meio ambiente e levantamento fundiário
entre outras.
Pelo
exposto, dizer que inexiste consulta a outros órgãos é gritante impropriedade,
e talvez a ministra Gleisi acredite, sinceramente, que a Embrapa possa dizer
cientificamente quais as áreas devem ser demarcadas.
De suas
palavras claro fica a contrariedade com o papel específico e de referência
acumulado pelo órgão indigenista: “Delegamos única e exclusivamente à FUNAI a
responsabilidade por estudos e demarcação de terras. Nem sempre estabelecemos
procedimentos claros e objetivos”.
A Frente
Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas discorda da intenção de se promover o
esvaziamento da FUNAI, legítimo braço da União para cumprir o que determina a
Constituição, que neste momento precisa, mais do que nunca, de
reconhecimento político, representado pela ampliação de seus quadros, maior
dotação orçamentária e instrumentos para indenizar áreas tituladas
indevidamente.
É deputado federal pelo PT-Rondônia, coordenador da
Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas
Publicado em: Indígenas Notícias
Fonte: Viomundo
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